terça-feira, 30 de junho de 2015

O Visitante


   -- Como diria um certo livro, "uma moeda pelos seus pensamentos". 
Me espanto quando, depois de um longo silêncio, ele me diz isso. É bem provável que eu estou descaradamente viajando, vagando na minha própria mente. Sorrio com um leve rubor nas bochechas e um certo constrangimento com aquela frase inesperada. Ele fala como quem sabe que, como Emma Bovary, sou resultado dos livros que leio. 
  -- Pode ser um doce. 
Ele tira uma bala do bolso, daquelas preferidas de crianças, e me entrega. Me sinto uma criança de fato, com muito a aprender. 
  -- Pensando na minha mãe de novo... 
  -- Coragem -- ele diz, sorrindo. Será que a intenção dele é transmitir força? Bem, se for ou não, transmite. 
  -- Eles vão me matar quando eu contar! -- eu digo, sorrindo nervosamente. 
  -- Vão nada! No máximo deserdar. 
Voltei a olhar para o vazio. Alguns minutos depois, olho de novo pra eleParafraseando Quintana, o seu olhar imensamente azul ilumina o meu quarto... Ele me fita através dos óculos escuros. 
  -- O que foi? 
  -- Nada, ué. 
  -- Está me encarando. 
  -- Não pode?
  -- Pode... 
Queria que todos os meus relacionamentos, de todos os tipos e níveis, fossem simples assim. Será que é tão difícil as pessoas serem legais umas com as outras pra variar? Pra ele parece tão simples ser... Ganho de presente mais um sorriso. 
  -- E se acabar em desastre? 
  -- Conta e deixa eles falarem. Uma hora eles vão parar e tudo vai voltar ao normal. 
Assim ele me mostra que o ápice da autoconfiança é ter a coragem de falar não só o que penso, mas o que sinto, sem medir consequências e sem medo do que vão pensar ou falar. Se ao menos as pessoas fossem menos intolerantes... 
Ah! Não posso reclamar dos outros. Assim como Millôr, "Confesso: sou pior sozinho do que mal acompanhado".

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