sexta-feira, 16 de junho de 2017

Tropicalismo: disco-manifesto “Tropicália ou Panis et Circensis”

 
Capa do álbum "Tropicália ou Panis Et Circensis"

BEREMBEIM. Manuel. Tropicalismo ou Panis et Circencis. Produção de Manuel Berembeim. Vocal, vocal de apoio e instrumentos diversos de Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão, Os Mutantes, Tom Zé, Capinam e Torquato Neto. Arranjos e regência de Rogério Duprat. São Paulo. RGE, Phillips. 1968. 38min38s. Técnico de gravação: Estélio


Entre 1967 e 1968 os músicos Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes, o produtor musical Rogério Duprat, o maestro Júlio Medaglia, os escritores José Agrippino de Paula e Torquato Neto, o teatrólogo José Celso Martinez Corrêa e os artistas plásticos como Lygia Clark e Hélio Oiticica, entre outros, fizeram parte de um projeto criativo que resultou no disco-manifesto "Tropicália ou Panis et Circensis". Em um ano de aflição oriunda da Ditadura Militar, este grupo ousou propor um projeto antropofágico que transformou o cenário cultural brasileiro em 1968 com o lançamento do disco.

Contexto Histórico
O ano de 1968 foi de grandes tensões no país. As greves operárias e as manifestações estudantis – com a consequente repressão policial – se intensificaram. Culturalmente, o país fervilhava com as manifestações artísticas. Foi desenvolvido um estilo musical novo, a Tropicália, que tem por marco inicial o Festival de 1967, através da canção Alegria Alegria de Caetano Veloso. Apesar de desenvolver uma crítica social, o Movimento Tropicalista não possuía como objetivo principal utilizar a música como um meio de combate político à ditadura militar que vigorava no Brasil. Através da mescla de elementos tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas importadas da Europa, como o Rock, juntamente com a guitarra elétrica, a Tropicália foi um movimento nitidamente estético e comportamental.

A capa emblemática

       O disco manifesto do tropicalismo possui uma natureza diferente, em que letra, música, capa e texto da contracapa combinam-se perfeitamente exigindo um trabalho de decifração de quem o analisa. A imagem da capa, registrada pelo fotógrafo Oliver Perroy, tem como inspiração as fotos antigas de família. Mas é impossível não lembrar também de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles, álbum que incorporou à música arranjos e símbolos que vibrava psicodelia e serviu como inspiração à Tropicália. 

Capa do álbum "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band",  disco que elevou o Rock à arte culta.

Cada artista possui um significado oculto na capa do LP.
Percebe-se que cada personagem tem um significado oculto. Gal Costa e Torquato Neto representam o casal de classe média. Tom Zé, com uma mala na mão, é o retirante nordestino e personagem da canção “Mamãe Coragem”. O arranjador Rogério Duprat segura um penico, uma alusão a Marcel Duchamp, escultor francês dadaísta. Os Mutantes empunham guitarras, símbolo da modernidade artística. Caetano exibe uma foto de Nara Leão, musa da bossa nova, Gil, outra de Capinam, poeta e letrista baiano. As palmeiras que aparecem nos cantos e no vitral reforça ideia tropical, junto com a moldura verde, azul e amarela que cerca a foto





Do título às canções

    O título do disco também pede uma decifração. O slogan em latim é arrevesado (circencis não existe nessa língua), mostrando que tudo inicia com humor. No entanto, tal título revela uma indagação: será função da arte desviar o povo dos seus problemas reais, como no tempo do pão e circo romano? “Miserere nobis” (Gilberto Gil e Capinam) abre o disco, a temática da música é a miséria, o clima de missa e a referência à política violenta bastante clara. A letra ainda associa Brasil, fuzil e canhão, deixando evidente que já não podemos mais ficar “calados e magros esperando o jantar”. No final da canção, ouvem-se disparos de canhão, que duram até o início da próxima canção. Aliás todas as faixas se sucedem sem intervalo, numa prática que após Sargent Pepper’s se tornaria comum na música pop.

      Em seguida, “Coração Materno” , canção de Vicente Celestino composta em 1937, é interpretada por Caetano Veloso de maneira melodramática. A terceira faixa, “Panis Et Circensis”, composta por Gil e Caetano e interpretada pelos músicos psicodélicos dos Mutantes, se tornou o grande hino do movimento Tropicália. Com uma letra que diz que as pessoas estão acomodadas e não percebem que a vida não é apenas nascer e morrer, deram um choque em toda a sociedade. O disco traz outros temas explorados pelos tropicalistas. “Lindonéia”, de Caetano Veloso, retrata uma vida suburbana e monótona, além de oprimida pela vigília policial. A realidade urbana e consumista aparece em “Parque Industrial”, de Tom Zé. Em “Três Caravelas”, versão da música cubana de Algueró e Moreau, remete-se às raízes comuns com a América espanhola.

     “Geleia geral”, de Gil e Torquato Neto,  mostra elementos que possuem uma identidade nacional. Por exemplo, em “Minha terra é onde o Sol é mais limpo/ Em Mangueira é onde o Samba é mais puro” remete à “Canção do Exílio” do poeta romântico Gonçalves Dias. O próprio título da composição remete a um texto do poeta concretista Décio Pignatari, que afirmava: “Na geléia geral brasileira, alguém tem que exercer as funções de medula e osso” - tarefa assumida pelos tropicalistas. A faixa “Enquanto seu lobo não vem” mostra que não são apensa os desejos políticos que estão sufocados pela ditadura, mas também os afetivos. A canção “Baby” de Caetano, que ficou conhecida no som d’os Mutantes, no disco leva a belíssima voz de Gal Costa, expressa o que eventualmente tachou os tropicalistas de alienados. “Baby” situa-se no âmbito da cultura pop, evocando o consumo a partir da Jovem Guarda (“… aquela canção do Roberto”) e com o contato com aquilo que é internacional (“Você precisa aprender inglês”) fazendo referências às inspirações para a tropicália, como os Beatles e os Rolling Stones.

     “Bat Macumba” é um poema concreto musicado, com uma frase que vai perdendo uma sílaba até chegar a uma sílaba somente, para assim voltar a ser reconstruída, de forma simétrica. A canção traz um elemento da cultura pop, o Batman, e relaciona-o com um elemento típico do sincretismo religioso brasileiro, a macumba. Além disso, merece destaque a construção do texto, o que reforça a relação entre o Tropicalismo e o Concretismo. Há algumas suposições quanto o desenho que é formado com a disposição da letra, já que este assemelha-se à badeira brasileira.  



O legado

 Desde de sua eclosão, o tropicalismo vem inspirando jovens artistas que surgem na música brasileira. A obra dos tropicalistas serviu como influência a diversos artistas da moderna MPB, entre eles Chico Science e a Nação Zumbi, Adriana Calconhoto, Lenine, Los Hermanos, e também o projeto Tribalista de Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. Além das manifestações da música de periferia- como o rap e o funk- que trazem um laço forte com o tropicalismo, por conta da atitude inovadora e a quebra de preconceitos que rondam esse estilo, assim como na década de 60 era barrado a produção criativa no Brasil.

A importância do tropicalismo está no seu aspecto artisticamente inovador, que serviu para modernizar a música popular brasilera incorporando e desenvolvendo novos padrões estéticos. O disco ficou na segunda colocação dos Melhores Álbuns de Música Brasileira segundo a revista Rolling Stone, dando à esse disco o crédito devido. Um disco a cara do Brasil, com uma imensa contribuição à cultura e ao coração e alma de quem o ouve.

Caetano Veloso nasceu em Santo Amaro da Purificação em 07 de agosto de 1942. Demonstrou talento para a arte na infância, ainda no interior da Bahia, mas foi em Salvador que se tornou músico. Foi preso e exilado. Um dos artistas mais influentes de sua geração, continua ativo, compondo, fazendo shows e gravando.

Gilberto Gil nasceu em Salvador em 26 de junho de 1942. Se destacou com Os Mutantes na mesma época que criava o Tropicalismo com Caetanp. Perseguido pela Ditadura, se exilou com o parceiro. Na volta, lançou Expresso 2222, devisor de água de sua carreira. Foi Ministro da Cultura de 2003 a 2008.


Os Mutantes é uma banda brasileira de rock psicodélico formada no ano de 1966, em São Paulo, por Arnaldo Baptista (baixo, teclado, vocais),Rita Lee (vocais) e Sérgio Dias (guitarra, baixo, vocais). Os Mutantes iniciou suas atividades em 1966, como um trio, quando se apresentaram em um programa da TV Record, até terminar em 1978 com apenas Sérgio Dias como integrante original.



Referência Bibliográfica: 

PAIANO, Enor. Tropicalismo:Bananas ao vento no coração do Brasil.São Paulo: Scipione, 1996.

Isabella Cristina Ribeiro Bernardes, Acadêmica do Curso de Letras-Português da Universidade Federal de Goiás (UFG)






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