sábado, 23 de julho de 2016

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Ainda era cedo e o frio soprava em nossas canelas. A luz nos cegava, fazendo arder em nossos olhos o cansaço. Em meio ao ruído uma voz se destacava: “Não acredito que perdi o ônibus, vou me atrasar...”, dizia assim a mais humilde criatura, que em muitos despertava pena e desprezo.  E não se calava: “Agora é o ônibus! Não, não é...” Uma ou duas pessoas sorriam, mas a maioria manteve o semblante enrugado, talvez pela luz, talvez pelo silêncio rompido. A criatura continuou: “Não acredito! Esse ônibus demora demais!” Aos poucos despertava empatia em nós, e um ínfimo sorriso acalmou a minha franzida testa. Minutos depois todos já compartilhavam sua angústia e, esperançosos, ouvíamos a criatura com atenção: “Agora é, agora é!.... zero zero cinco... tsc!”
Ela, por sua vez, ria de todo o seu desvalimento, e fazia questão de expressar pela fala o seu anseio: “Vai virar um ali, agora deve ser ele!... tsc... Meu patrão vai chamar minha atenção de novo!” O tempo se mostrava hostil, e cada segundo se mostrava hostil, desmanchando todas as suas linhas percorridas pelo riso. E então sua voz soou desanimada, como a gasta fumaça que dos escapamentos esvaecia no ar: “No primeiro dia de trabalho cheguei às nove horas, ele chamou minha atenção e falou que se no primeiro dia cheguei com uma hora de atraso, imagina nos próximos dias... Vou ter que correr quando descer no ponto!” A luz que iluminava sua agonia foi interrompida por uma grande sombra. Um esguio sorriso surgiu em seus lábios, deu largos passos e empurrou os que estavam a sua frente. Subiu os poucos degraus como uma noiva sobe ao altar. O desespero a traiu; a pobre criatura entrou no cento e sessenta.



Hellen Lopes de Carvalho, graduanda de Letras-Espanhol na Universidades Federal de Goiás - UFG

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