domingo, 10 de julho de 2016

Bertolt Brecht
        O drama como crítica em Teatro dialético, de Bertolt Brecht


O que apenas imita, que nada tem a dizer
Sobre aquilo que imitia, semelha
Um pobre chimpanzé que imita seu treinador fumando
E nisso não fuma. Pois nunca
A imitação irrefletida
Será uma verdadeira imitação.

Bertolt Brecht


Bertolt Brecht (1898-1956) foi um importante dramaturgo, teórico, poeta, músico e ensaísta alemão do século XX. Ao final da década de 1920, Brecht desenvolveu o teatro épico, que foi um dos movimentos de emancipação do teatro moderno em relação às normas do teatro tradicional. O teatro épico surgiu não apenas com o objetivo de romper com as normas do drama tradicional, o seu maior objetivo foi utilizar o teatro como um instrumento didático, uma forma de esclarecimento ao público sobre as necessidades de transformação da sociedade.
Um dos fundamentos do gênero épico é a narrativa. Foi com esse elemento que Brecht complementou a cena, utilizando várias de suas formas, evidentes ou não, como a música, o coro, canções, cartazes, projeções de filmes e outros artifícios narrativos com função de interrupção da ação. Esses elementos causam o Efeito de distanciamento, conceito central do teatro épico de Brecht: a cena é interrompida com o intuito de levar ao público, de forma crítica, os acontecimentos e comportamentos das personagens. O ponto fundamental do Efeito de distanciamento é a manutenção da consciência da audiência acerca do caráter de ilusão da representação, tanto da cena quanto da atuação. O ator rejeita a transformação total na personagem que representa, mantendo-se como um intermediário entre o texto e a plateia. Preferencialmente, não representa o fato por meio da ação, mas o narra como testemunha do acontecido, Brecht (p. 142), neste ponto, substitui o termo “ator” por “demonstrador”. A cena deve permitir que elementos técnicos, como as fontes de luz e contrarregras que introduzem e retiram objetos da cena, antes fora do campo de visão do espectador, surjam no palco, o que evita a ilusão indesejável.
Com o Efeito de distanciamento a plateia não fica à mercê das eficientes técnicas cenográficas, da atuação e, consequentemente, da empatia, elemento que trabalha no subconsciente e que faz a audiência se identificar tão fortemente com as personagens a ponto de perder seu senso crítico. O Efeito de distanciamento não pretende excluir completamente a emoção, defende Brecht, mas direciona as emoções do público a um nível em que não precisam corresponder integralmente às das personagens representadas. A música é também um dos elementos cênicos que, em Brecht, contribui com o rompimento da magia do teatro tradicional. Para o dramaturgo, a música deve ter um objetivo didático e crítico, deve ser Música-Gestus.
Segundo Brecht, Gestus não significa somente gesticulação, “movimentos das mãos, explicativos ou enfáticos” (p. 77); o Gestus se dilata ao comportamento e a interação do homem social. Para Brecht, uma linguagem só será Gestus se baseada em um gesto adequado às atitudes particulares que um indivíduo ou uma coletividade adota em relação a outros homens. O exemplo dado por Brecht auxilia a compreensão: “arranca o olho que te incomoda” / “se teu olho te incomoda, arranca-o”. A segunda frase, afirma o teórico, é Gestus pelo fato de não se apresentar como exigência ou ordem (a primeira frase assim o faz); é Gestus por proporcionar um suposto “se” e por encerrar-se com uma surpresa (“arranca-o”) que é, ao mesmo tempo, “um conselho libertador” (p. 77-78). Está, nestes dois elementos citados, um Gestus social, uma tomada de posição política: perceber o outro homem, dando a ele, seu interlocutor, a chance de analisar e refletir sobre sua situação e sobre a sugestão oferecida. No teatro épico, os atores voltam-se para o público apresentando suas “sensações individuais” em músicas reflexivas e de caráter ético. Para isso, é preciso que haja nas músicas diferentes Gestus, como: “polidez ou fúria, humildade ou desprezo, concordância ou dúvida” (p. 80), induzido, assim, o espectador a refletir sobre o comportamento humano de um ponto de vista social, dando a ele o poder da crítica e o poder do julgamento.
Dessa forma, é possível perceber que, no teatro épico brechtiano, o que se pretende é “elevar a emoção ao raciocínio”, como afirma Anatol Rosenfeld (p. 32), e, também, instigar o pensamento crítico do público sobre questões políticas e sociais. A abordagem de Brecht sobre o papel e as formas do drama nos dão indícios do poder transformador social do teatro, o que nos remete à reflexão sobre o papel da arte na sociedade. A arte carrega em si a história da humanidade; nela, os homens compartilham não apenas suas ideologias e visões de mundo, mas também críticas e análises de suas percepções acerca da vida. A arte tem caráter formador, seja como instrumento de alienação ou gerador de seres críticos e pensantes.

Hellen Lopes de Carvalho, graduanda de Letras-Espanhol na Universidade Federal de Goiás - UFG


Referências bibliográficas:

BRECHT, Bertolt. Teatro dialético. Trad. Luiz Carlos Maciel e Sérgio Micelli. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

______. Sobre a imitação. In:______. Poemas 1913-1956. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Editora 34, 2012. p. 239.

ROSENFELD, Anatol. Brecht e o teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2012.

Um comentário:

  1. Gostei muito do seu artigo sobre Brecht.
    Sou fã de teatro e curto informações do genero.
    Parabéns!

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