quinta-feira, 21 de julho de 2016

Taare Zameen Par



O cinema indiano, também chamado de Bollywood, é conhecido por suas  extravagâncias visuais e pela mistura de diversos gêneros, podendo um mesmo filme ser romance, thriller, ação e musical, por exemplo. Sua forte identidade cativa apenas poucos aventureiros da sétima arte, que se encontrem fora de território indiano, onde o cinema é mais que uma paixão nacional e quase uma religião, onde filmes e astros são idolatrados como deuses vivos. 

Bons filmes porém, são capazes de transcender até a mais peculiar das formas, e alcançar público além de seu alvo. Esse é o caso de Taare Zameen Par, lançado em 2007, e dirigido por Aamir Khan e Amole Gupte. O filme se tornou relativamente conhecido entre pedagogos e educadores no Brasil, mas por vários motivos merece a atenção de qualquer apreciador de uma boa história filmada.


Taare Zameen Par é a história de Ishaan (Darsheel Safary): 8 anos de idade, repetente da 3ª série e pior aluno da sala. Ishaan é um menino que se distrai com qualquer coisa que chame sua atenção e se atrasa para a aula, vive levando bronca e sendo expulso de sala, e mata aula para perambular pela cidade. Não por ser indisciplinado e desinteressado nos estudos, como acreditam seus professores, mas porque para ele, "as letras dançam no papel", e é impossível decodificá-las. Ishaan sofre de dislexia, mas ninguém suspeita disso. Estressado por não conseguir ler e escrever e por ser tratado como burro, ele tem aversão pela escola.

"Eles têm reuniões com as borboletas e debates com as árvores"
Mas como é fácil se apaixonar por Ishaan, com seus delírios acordados, com sua imaginação fértil e sua rebeldia. E com a criatividade que ele expressa na baguncinha de seu quarto, entre lápis de cor, tintas, papéis e giz de cera. E a imaginação de Ishaan é muito bem ilustrada no filme através de divertidos recursos de animação. Em casa, Ishaan é livre com seus desenhos e pinturas e tem o apoio da mãe, que apesar de compreensiva, se frustra com o fracasso no aprendizado do garoto. O pai, por sua vez, é rude, e extremamente crítico com o garoto, por vezes recorrendo aos tapas a fim de corrigí-lo. 

Quando Ishaan é convidado a se retirar da escola, seu pai decide mandá-lo pra um colégio interno em outra cidade. Na nova escola, os meninos são vistos como "cavalos selvagens a serem domados"; eles marcham, são punidos com a palmatória e impedidos de exercerem o livre pensar e suas criatividades. Longe da mãe, que era seu refúgio e conforto, Ishaan fica depressivo e sua aprendizagem que já era ruim, se torna uma catástrofe. Ele se isola e para de falar.


A atmosfera pesada em que fomos inseridos e nossa tristeza por Ishaan só são aliviadas quando o professor de artes da escola viaja, deixando um substituto em seu lugar.  Shankar Nikumbh (Aamir Khan), entra em sala cantando, dançando, tocando flauta, e como se não bastasse, vestido de palhaço. A sala vira uma festa, e os alunos finalmente são livres para se expressarem artisticamente. Ishaan, porém, se recusa a desenhar e não responde a qualquer estímulo. Intrigado com o comportamento silencioso e distante do menino, Nikumbh examina antigas provas em busca de uma resposta. O professor logo percebe a dislexia e vai até a casa dos pais do menino para lhes dar a notícia.

Nikumbh se encontra com um pai ignorante que se recusa a aceitar que o filho seja um retardado. O paciente professor explica aos pais que não se trata de retardo; na verdade Ishaan tem inteligência acima da média e uma grande sensibilidade para as artes. A dislexia é um transtorno de aprendizagem associado à leitura: o portador tem dificuldade em decodificar as palavras, e não consegue atribuir significado ao que está escrito. Além da desatenção, dispersão e desorganização comuns à criança disléxica, vários outros sintomas são apresentados ao longo do filme, nunca percebidos pelos professores ou pais: erros sempre repetidos, troca de letras e sílabas de grafia similar, entre outras dificuldades relacionadas ao transtorno, como a inabilidade de pegar uma bola arremessada.

Flip book feito por Ishaan.
A partir da descoberta, o professor começa um trabalho de aprendizagem multissensorial com Ishaan, utilizando-se de materiais que impliquem o uso da visão, do tato e da audição, levando o garoto a finalmente descobrir as letras.

Aamir Khan, é o ator que dá vida ao professor, e também é diretor do filme. Além de ser um dos maiores astros do cinema indiano, Aamir é um ativista das questões sociais e políticas da Índia, comprometido em usar sua imagem e filmes a serviço de causas maiores, numa indústria famosa por filmes de puro entretenimento. Esse é um de seus projetos de maior sucesso; um filme sensível, com boas atuações do pequeno Darsheel e de Aamir, e bonitos momentos surgidos na relação entre aluno e professor.

A trilha sonora do filme é algo que não se pode deixar de comentar. Ao estilo de Bollywood, músicas cantadas são inseridas ao longo do filme, intensificando o que se passa na tela e no íntimo dos personagens. Um destaque é a bela canção Maa, que traduz a falta da mãe e o sentimento de abandono vivido por Ishaan.

Taare Zameen Par ensina que, nas palavras do professor Nikumbh, "toda criança é diferente e tem suas próprias capacidades". As diferenças existem, e precisamos estar atentos a elas, pois para cada dificuldade haverá um método de superação. Não é aceitável a exclusão de indivíduos incríveis como Ishaan, que quase tem seu brilho especial apagado, por uma sociedade e escola competitivas, que se preocupam demais com a produtividade, e menos com a singularidade de cada um.

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