Taare Zameen Par
O cinema indiano, também chamado de Bollywood, é
conhecido por suas extravagâncias
visuais e pela mistura de diversos gêneros, podendo um mesmo filme ser romance,
thriller, ação e musical, por exemplo. Sua forte identidade cativa apenas
poucos aventureiros da sétima arte, que se encontrem fora de território
indiano, onde o cinema é mais que uma paixão nacional e quase uma religião,
onde filmes e astros são idolatrados como deuses vivos.
Bons filmes porém, são
capazes de transcender até a mais peculiar das formas, e alcançar público além
de seu alvo. Esse é o caso de Taare Zameen Par, lançado em 2007, e dirigido por
Aamir Khan e Amole Gupte. O filme se tornou relativamente conhecido entre
pedagogos e educadores no Brasil, mas por vários motivos merece a atenção de
qualquer apreciador de uma boa história filmada.
Taare Zameen Par é a história de Ishaan
(Darsheel Safary): 8 anos de idade, repetente da 3ª série e pior aluno da sala.
Ishaan é um menino que se distrai com qualquer coisa que chame sua atenção e se
atrasa para a aula, vive levando bronca e sendo expulso de sala, e mata aula para
perambular pela cidade. Não por ser indisciplinado e desinteressado nos
estudos, como acreditam seus professores, mas porque para ele, "as letras
dançam no papel", e é impossível decodificá-las. Ishaan sofre de dislexia,
mas ninguém suspeita disso. Estressado por não conseguir ler e escrever e por
ser tratado como burro, ele tem aversão pela escola.
"Eles têm reuniões com as borboletas e debates com as árvores" |
Mas como é fácil se apaixonar por Ishaan, com
seus delírios acordados, com sua imaginação fértil e sua rebeldia. E com a
criatividade que ele expressa na baguncinha de seu quarto, entre lápis de cor, tintas,
papéis e giz de cera. E a imaginação de Ishaan é muito bem ilustrada no filme através
de divertidos recursos de animação. Em casa, Ishaan é livre com seus desenhos e pinturas
e tem o apoio da mãe, que apesar de compreensiva, se frustra com o fracasso no
aprendizado do garoto. O pai, por sua vez, é rude, e extremamente crítico com o
garoto, por vezes recorrendo aos tapas a fim de corrigí-lo.
Quando Ishaan é convidado a se retirar da escola,
seu pai decide mandá-lo pra um colégio interno em outra cidade. Na nova escola,
os meninos são vistos como "cavalos selvagens a serem domados"; eles
marcham, são punidos com a palmatória e impedidos de exercerem o livre pensar e
suas criatividades. Longe da mãe, que era seu refúgio e conforto, Ishaan fica
depressivo e sua aprendizagem que já era ruim, se torna uma catástrofe. Ele se
isola e para de falar.
A atmosfera pesada em que fomos inseridos e nossa
tristeza por Ishaan só são aliviadas quando o professor de artes da escola
viaja, deixando um substituto em seu lugar.
Shankar Nikumbh (Aamir Khan), entra em sala cantando, dançando, tocando
flauta, e como se não bastasse, vestido de palhaço. A sala vira uma festa, e os alunos finalmente são
livres para se expressarem artisticamente. Ishaan, porém, se recusa a desenhar
e não responde a qualquer estímulo. Intrigado com o comportamento silencioso e
distante do menino, Nikumbh examina antigas provas em busca de uma resposta. O
professor logo percebe a dislexia e vai até a casa dos pais do menino para lhes
dar a notícia.
Nikumbh se encontra com um pai ignorante que se
recusa a aceitar que o filho seja um retardado. O paciente professor explica
aos pais que não se trata de retardo; na verdade Ishaan tem inteligência
acima da média e uma grande sensibilidade para as artes. A dislexia é um
transtorno de aprendizagem associado à leitura: o portador tem dificuldade em
decodificar as palavras, e não consegue atribuir significado ao que está
escrito. Além da desatenção, dispersão e desorganização comuns à criança
disléxica, vários outros sintomas são apresentados ao longo do filme, nunca
percebidos pelos professores ou pais: erros sempre repetidos, troca de letras e
sílabas de grafia similar, entre outras dificuldades relacionadas ao
transtorno, como a inabilidade de pegar uma bola arremessada.
Flip book feito por Ishaan. |
A partir da descoberta, o professor começa um
trabalho de aprendizagem multissensorial com Ishaan, utilizando-se de materiais
que impliquem o uso da visão, do tato e da audição, levando o garoto a finalmente
descobrir as letras.
Aamir Khan, é
o ator que dá vida ao professor, e também é diretor do filme. Além de ser um
dos maiores astros do cinema indiano, Aamir é um ativista das questões sociais
e políticas da Índia, comprometido em usar sua imagem e filmes a serviço de causas
maiores, numa indústria famosa por filmes de puro entretenimento. Esse é um de
seus projetos de maior sucesso; um filme sensível, com boas atuações do pequeno
Darsheel e de Aamir, e bonitos momentos surgidos na relação entre aluno e
professor.
A trilha sonora do filme é algo que não se pode
deixar de comentar. Ao estilo de Bollywood, músicas cantadas são inseridas ao
longo do filme, intensificando o que se passa na tela e no íntimo dos
personagens. Um destaque é a bela canção Maa, que traduz a falta da mãe e o sentimento
de abandono vivido por Ishaan.
Taare Zameen
Par ensina que, nas palavras do professor Nikumbh, "toda criança é
diferente e tem suas próprias capacidades". As diferenças existem, e
precisamos estar atentos a elas, pois para cada dificuldade haverá um método de
superação. Não é aceitável a exclusão de indivíduos incríveis como Ishaan, que
quase tem seu brilho especial apagado, por uma sociedade e escola competitivas,
que se preocupam demais com a produtividade, e menos com a singularidade de
cada um.
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