segunda-feira, 25 de julho de 2016

Luan e Santana, no bar


                Aviso: a narrativa a seguir exige a precisa identificação de elementos irônicos e sarcásticos para sua plena compreensão; Não possuindo esta habilidade, leia o texto com o auxílio de alguém que a tenha. 

                Goiânia, 2016
 
                Sexta-feira, seis horas da tarde. Decretado o início do final de semana, e como de tradição, saio do trabalho em disparada, como um cão que corre pelo quintal quando solto pelo dono. Bar de sempre, Jack Daniel’s no copo, Marlboro vermelho na boca, Rock na vitrola – momento de pura meditação.

                Tiram-me do meu estado iluminado, entretanto, dois jovens conversando, às gargalhadas na mesa ao lado. Pessoas estranhas ao local, aparentando ter algo em torno de 20 anos de idade, e que, pelas roupas, cabelo, e comportamento, estariam muito mais em casa em uma dessas boates sertanejas onde se paga R$ 100 reais para entrar (os homens, apenas), segurando em uma mão um copo de vodka e uma latinha de energético.

 Ai, ai, ai, como sou preconceituoso... Aqui vai um aviso: se você, leitor, se identifica/solidariza com o tipo que descrevi, ou vê com maus olhos minha pintura incrivelmente neutra e imparcial, recomendo fortemente que pare sua leitura de imediato e vá ler alguma outra porcaria qualquer. No meu dia-a-dia já sou obrigado a medir minhas palavras e pensamentos sobre certos tipos de comportamento, mas minha escrita é minha maneira de dar vazão a meus julgamentos pessoais sobre o que considero ser de mais errado nessa nossa sociedade semi-rural e pós-moderna. Alguns preferem terapia, mas creio ser uma questão de gosto, apenas.

                Contudo, naquele momento me dou um tapa mental na cara por continuar com a mania de estereotipar pessoas antes de conhecê-las, embora não deixe de confiar em meu próprio julgamento – entendem agora por que medito? Tento esquecer os dois cowboys da cidade e volto minha atenção novamente para o relaxante ritual de alternância de movimentos entre cigarro e copo, até que escuto algo que não posso ignorar. Aparentemente, um dos acéfalos estava contando ao outro sobre uma – das provavelmente raras – de suas aventuras sexuais, com uma moça conhecida de ambos.

                “Véi, cê não tá entendendo. Aquilo ali só tem cara de santa, mas eu que sei como o trem foi doido! (inserir gargalhada cretina)! [sic]”. A incrível discrição do senhor na mesa ao lado, somada ao seu Português imaculado e tipicamente goiano (não, não estou generalizando, chorões), garantiu minha atenção total à conversa dos cavalheiros em questão. Sabendo agora o que meus pobres ouvidos estariam por ouvir, penso que talvez deveria ter mudado de mesa (ou talvez de cidade, mas isso é assunto para outra ocasião).

                Como sei pouquíssimas informações sobre as figuras que relato, pensei em chamar o narrador “transão” de Cowboy A, e o ouvinte (o amigo dele, não eu) de Cowboy B; Mas logo, refleti: acredito que estaria fazendo uma injustiça aos cowboys. O que temos aqui são apenas playboys, bebedores de whisky com água de coco, entusiastas de camionetes-compradas-pelo-papai – embora nunca tenham utilizado a carroceria traseira para carregar coisa alguma além de outros retardados de calça apertada –, fãs de Sertanojo “Universitário”; Esta, contudo, seria uma titulação muito grande para os fins da narração deste texto. Decido, pois, que chamarei o contador da história de Luan, e o ouvinte de Santana.

                Para encurtar a história, eis o que pude compreender do interessantíssimo diálogo: Luan e Santana, exemplares estudantes de uma prestigiosa faculdade particular (risos) de Goiânia, tinham como colega de sala uma jovem que chamaremos de Alice.  Alice, apesar de todas as evidências do contrário, achava Luan um cara interessantíssimo, e passou a buscar chamar sua atenção. Contudo, Luan, Santana, e seus minions não consideravam Alice a moça mais interessante que ali havia – pelo que pude compreender, Alice não se enquadrava nos padrões promíscuos de beleza que nossos herois consideram adequados. 

Teria, entretanto, ocorrido um evento da prestigiosa faculdade particular (risos) de Goiânia na noite anterior, evento esse regado a bebidas alcoólicas “de classe” e música de não menor “valor”. Luan, tendo tido pouco sucesso com o sexo oposto ao longo da festa (imagino o porquê) e estando embriagadíssimo, vê a pobre Alice com uma amiga, e resolve ir atrás dela, a fim de não passar a noite só (“se não tem ‘tu’ vai ‘tu’ mesmo, né não?!”, tive o prazer de ouvir nosso poeta dizer).  Alice evidentemente cede, e vai parar na cama, ou melhor, no banco de trás do carro de Luan. Eis aqui uma belíssima amostra da classe e do garbo do suposto “futuro de nossa pátria”.

Em vista de todos os acontecimentos da noite anterior, a dupla dinâmica, em meu entendimento, resolveu se encontrar neste bar para beber um pouco mais, para que Luan pudesse se gabar de seus gloriosos feitos, e também para compartilhar risos e gargalhadas sobre o fato de que, hoje, nosso inseminador universitário não só se privou de fazer qualquer tipo de contato com a moça, mas também não respondeu nenhuma das mensagens deixadas por ela.

- Pô, Luan, cê vai nem dar um “oi” pra mina? Deixa de ser ruim, “moss”! – que altruísta!

- Ah nem! Vou nada! Aquilo ali foi só pra não sair da festa no 0x0.

- Hahaha! Cê num presta mesmo!

Essa foi minha deixa. Peço minha conta e vou pra casa com essa história na minha cabeça. Acredito não ser necessário deixar claro que não sou nenhum puritano, sequer moralista, mas me pareceu atordoante a canalhice que tinha acabado de presenciar. Acho que nunca vou entender como lixos humanos como Luan conseguem algum tipo de parceira, mas, independentemente disso, o que temos ali é uma moça, que se interessou por um cara, com quem passou a noite e trocou telefones, e no dia seguinte foi tratada como um objeto descartável. Não estou defendendo que uma transa entre duas pessoas deve obrigatoriamente preceder um relacionamento ou algo do tipo, longe disso. Isso não quer dizer que não deve haver um mínimo de compaixão pelo outro; Apenas um “olá, você está bem?” teria bastado para não fazê-la sentir-se como um objeto.

Atitudes como essa testemunhada demonstram total falta de humanidade e de empatia. E isso não é exclusividade dos “Luans” deste mundo. Todo dia vemos pessoas se usando, tirando vantagem uma da outra, e descartando o próximo quando este não parece mais adequado ou necessário em sua vida; Pessoas indiferentes aos sentimentos alheios, narcisisticamente focadas em si e em mais nada, falando sem nada dizer, e ouvindo sem escutar. Um mundo movido pela autossatisfação e pelo individualismo, onde tudo é descartável e possui prazo de validade. E pior ainda isso se torna quando é espetacularizado de maneira tão torpe e sociopata, frente a uma plateia que se divide em aplaudir, e virar o rosto.

 

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